Entrevista*
com Hans-Hermann Hoppe sobre seu novo livro
- Senhor Hoppe, o senhor escreveu em seu novo livro, Der
Wettbewerb der Gauner ("A Competição dos Escroques"), que
"Não precisamos de um superestado europeu, que é o que a União Europeia
está querendo estabelecer... mas sim de uma Europa e de um mundo formado por
centenas, até mesmo milhares, de pequenas Liechtensteins e
Singapuras." Tal arranjo não parece muito factível no momento —
muito pelo contrário, aliás. Será que as coisas terão de piorar ainda
mais — política e economicamente — para que só então possam melhorar?
Infelizmente, receio que
sim. Antes de chegarmos a este arranjo que defendo, provavelmente
vivenciaremos várias derrocadas nacionais, começando por Portugal, Espanha,
Itália e, no final, a Alemanha. Somente então, receio eu, tornar-se-á
óbvio para todos aquilo de que muitos já sabem hoje: que a União Europeia nada
mais é do que uma enorme máquina de redistribuição de renda e riqueza, da
Alemanha e da Holanda para Grécia, Espanha, Portugal e outros.
Mas isso não é tudo.
Também ficará claro que a mesma insanidade, a mesma bagunça, também existe
dentro de cada país: na Alemanha, por exemplo, há redistribuição de renda e
riqueza da Bavaria e de Baden-Württemberg para Bremen e Berlim, da Pequena
Cidade A para o Pequeno Vilarejo B, de uma empresa para outra, de uma indústria
para outra, de João para José e por aí vai. E sempre seguindo o mesmo e
perverso padrão: redistribuição dos países, regiões, locais, empresas e
indivíduos mais produtivos para aqueles menos produtivos ou nada produtivos.
A quebradeira trará toda esta realidade à luz de uma maneira bastante dramática.
E talvez, só então, as
pessoas irão finalmente entender que a democracia — em nome da qual todas estas
safadezas e trapaças são feitas — nada mais é do que uma forma especialmente
insidiosa de comunismo, e que os políticos que criaram esta demência moral e
económica, e que enriqueceram enormemente neste processo (mas nunca, é claro,
sendo responsáveis por nenhum dos estragos que causaram), nada mais são do que
um desprezível bando de comunistas escroques.
- Em seu livro Bureaucracy, Ludwig von Mises
afirma: "A democracia representativa será insustentável caso uma grande
parte do eleitorado esteja na folha de pagamento do governo". O
senhor também repete este argumento quase 70 anos depois. Quando é que as
constatações de Mises irão finalmente render frutos?
Vou ainda mais longe do
que Mises em minhas constatações. Afirmo — e já tentei fornecer
evidências disto de várias maneiras diferentes em meus escritos — que é a democracia
a responsável pelas fatídicas condições que nos afligem hoje. O número de
pessoas produtivas está em constante declínio, e o número de pessoas
parasiticamente consumindo a renda e a riqueza deste declinante número de
pessoas produtivas está aumentando constantemente. Isso é algo que não
pode se prolongar por muito tempo. É economicamente insustentável.
O fato de todo o castelo
de cartas da democracia ainda não ter desabado completamente é uma enorme prova
do tremendo poder criativo do capitalismo, mesmo em meio aos crescentes
obstáculos e estrangulamentos criados pelo governo. E este fato também
nos leva a imaginar todos os 'milagres' econômicos que seriam possíveis caso
tivéssemos um capitalismo livre e desimpedido, um capitalismo não obstruído e
asfixiado por todo este parasitismo, um capitalismo completamente desregulamentado
e desburocratizado.
Se esta constatação vai
finalmente gerar frutos é algo que irá depender da consciência de classe da
população. Há um mito marxista, gostosamente promovido pelo estado, de
que existe um irreconciliável conflito de interesses entre empregadores
(capitalistas) e empregados (trabalhadores), ou entre ricos e pobres.
Enquanto este mito perdurar na opinião pública, não haverá absolutamente nenhuma
mudança, e o desastre será inevitável.
Uma mudança fundamental
só será possível se, em vez desta mentalidade, a correta compreensão das coisas
se tornar algo amplamente aceito entre a população. E qual é a correta
compreensão? Entender que o único conflito de interesses que existe na
sociedade é aquele entre os pagadores de impostos — ou seja, os explorados — e
os recebedores de impostos — ou seja, os exploradores. Em outras
palavras, entre, de um lado, a classe de pessoas que obtém sua renda e seus ativos
produzindo algo que é comprado voluntariamente e valorado apropriadamente pelos
consumidores; e, de outro, a classe formada por aqueles que não produzem nada
de valor, mas que vivem e enriquecem à custa da renda e dos ativos das pessoas
produtivas, os quais são violentamente confiscados via tributação — o que
significa dizer que todos os funcionários públicos e todos os beneficiários de
"programas sociais", subsídios, privilégios monopolistas pertencem a
esta última classe.
Somente quando a classe
produtora reconhecer claramente este estado de coisas e publicamente se
manifestar; somente quando os produtores finalmente estiverem confiantes de que
possuem a autoridade moral e finalmente rejeitarem as insolentes admoestações
da classe política como sendo desaforos morais e econômicos, e rispidamente
expuserem e denunciarem a classe política como aquilo que realmente são — uma
gangue de parasitas —, será então possível repelir e, em última instância,
eliminar estes parasitas.
- O senhor indiretamente critica as pessoas por "se
preocuparem somente com suas rotinas diárias" e por "não pensarem em
questões filosóficas". Não estaria o senhor exigindo muito? Em
uma situação econômica que apresenta contínua deterioração, principalmente no
aspecto monetário, não estariam as pessoas ocupadas demais tentando sobreviver
e se sustentar, não tendo tempo portanto para se dedicar à filosofia?
Minha declaração não foi
feita com a intenção de ser uma crítica específica ao cidadão comum; ela foi
apenas a simples afirmação de um fato incontestável. Acho que é
completamente normal o fato de que a maioria das pessoas jamais se preocupe com
questões filosóficas. São poucas as pessoas que realmente se interessam
por tais problemas, e são ainda menos as pessoas que possuem a capacidade
intelectual para de fato esclarecer ou mesmo solucionar estes problemas.
Meus comentários, ao
contrário, foram feitos com a intenção de sistematicamente estimular o cidadão
comum. Para dizer a ele — e isto vindo de um intelectual, "alguém de
dentro", por assim dizer — que seu preconceito contra intelectuais — que,
via de regra, são pessoas enfatuadas, inúteis e arrogantes — está
totalmente correto. Que existe uma quantidade excessiva de intelectuais
apenas porque o estado os paga e os subsidia via impostos extraídos do resto de
nós. E isso deturpa e distorce o objetivo e o resultado de suas ideias —
direcionando-as para a defesa do estatismo. Que é ele, o cidadão comum,
quem paga por todo este dispendioso e inútil besteirol produzido pela classe
intelectual, e que ele, portanto, tem todos os motivos do mundo para gritar,
protestar e se sentir indignado.
- A tese do seu livro é que o governo é o monopolista
supremo da aplicação da lei e da justiça, e que todo e qualquer monopólio é e
sempre será ruim do ponto de vista do consumidor — neste caso, o cidadão.
Sua solução alternativa é uma sociedade baseada em leis privadas. Como um
"leigo" pode entender o que tudo isto acarreta?
A ideia básica é bem
simples: abolir os monopólios e estimular a concorrência.
Atualmente, o que ocorre
é que, na eventualidade de um conflito entre um cidadão e o estado, será sempre
o estado (ou um juiz que é empregado do estado) quem irá decidir quem está
certo. Se o estado decidir, por exemplo, que eu tenho de pagar a ele mais
impostos e que eu não posso permitir que pessoas fumem no restaurante do qual
sou o dono, e se eu não concordar com nenhuma destas decisões, o que posso
fazer a respeito? Posso apenas recorrer a um tribunal estatal, cujos
juízes — muito bem remunerados com o dinheiro coletado pelo estado via impostos
— são pagos para impingir as regulamentações do governo. E o que estes
juízes, como toda a probabilidade, irão decidir? Que tudo isto é legal,
obviamente!
Desta maneira, todos os
tipos de roubo, agressão, assassinatos e guerras cometidos pelo estado são
"legalmente" sancionados. Tente julgar e processar algum
político para ver se terá sucesso. Peça para um americano levar os
senhores Bush e Obama — e um alemão levar a senhora Angela Merkel — para os
tribunais sob a acusação de homicídio em massa no Iraque e no
Afeganistão. Tal processo jamais seria aceito pelos tribunais; e, mesmo
que fosse, a decisão final já estaria clara desde o início: absolvição!
Em uma sociedade de leis
privadas, ao contrário, se tivéssemos tal conflito iríamos recorrer a
arbitradoresindependentes, arbitradores que estão no livre mercado
concorrendo com outros arbitradores por consumidores voluntários de seus
serviços. Não utilizaríamos um juiz inerentemente enviesado em prol do
estado, já que é pago diretamente por este, e que por isso é partidário de um
dos lados do julgamento; recorreríamos a uma entidade neutra para
adjudicar os conflitos judiciais normais que surgem envolvendo direitos de
propriedade existentes e reconhecidos e leis de contratos privados. Esta
entidade, por estar operando no livre mercado, terá todo o interesse em
adquirir e manter a reputação de ser uma julgadora neutra e imparcial.
Caso não proceda desta maneira, será expulsa do mercado de mediação pela total falta
de clientes.
O julgamento, neste
caso, será previsível e óbvio: minha renda obtida por meio do meu trabalho é
minha propriedade (e não do estado), assim como o restaurante também é minha
propriedade (e não do estado). Portanto, qualquer tributo imposto pelo
estado sobre mim ou qualquer restrição ao uso da minha propriedade (como
proibições ao fumo) seriam julgadas como ilícitas, como roubo e
expropriação. Adicionalmente, é claro, Bush, Obama, Merkel (e vários
outros) seriam declarados culpados por homicídio em massa (além de vários
outros crimes).
É precisamente por
isso que existe um monopólio judicial do estado. Porque, sob um
sistema jurídico concorrencial e não monopolista, seria imediatamente evidente
que, nas palavras de Santo Agostinho, o estado nada mais é do que um
"grande bando de ladrões", uma máfia — só que muito maior, mais
opressiva e mais perigosa.
- O estado teria alguma responsabilidade neste seu modelo?
Indiretamente, esta
pergunta já foi respondia. Quais tarefas você gostaria de entregar a um
bando de ladrões? Todos eles deveriam renunciar! E deveriam
devolver toda a propriedade que roubaram — toda a chamada propriedade pública —
para seus donos de direito. Ou seja, os pagadores de impostos deveriam
ser reembolsados de acordo com a quantidade de impostos que pagaram.
O problema é que estes
bandidos jamais pensaram em renunciar. E eles também jamais pensaram em
restituir suas vítimas: o enorme número de pessoas roubadas, despojadas e
assassinadas por eles. Nada.
E tal estado de coisas
não irá mudar — a menos que a opinião pública gere uma enorme pressão. O
que nos leva de volta ao assunto da consciência de classe. Nossa única
esperança para que esta desejada renúncia e restituição ocorra é que as vítimas
(bem como um crescente número de inocentes e inofensivos colaboradores do
estado) reconheçam o estado como aquilo que realmente é: um bando de ladrões, e
os tratem correspondentemente.
Ladrões que são
reconhecidos e tratados como tal não podem durar para sempre.
- Para concluir, falemos sobre dinheiro — dinheiro imposto
pelo estado, para ser mais preciso —, o meio de troca que as pessoas estão
permanentemente sendo obrigadas a utilizar. Até mesmo o cidadão comum
mais alienado já percebeu que há algo de errado com o sistema. Por favor,
explique para ele por que — e aqui eu cito uma frase sua — "não há
absolutamente nenhuma razão, sob nenhuma circunstância, para que o estado tenha
qualquer tipo de envolvimento com a produção de dinheiro".
Porque o estado é
um monopólio e monopólios sempre serão, em qualquer
circunstância, nocivos para o consumidor (ao passo que, inversamente, eles são
sempre ótimos para o monopolista). Tal raciocínio também se aplica ao
dinheiro e ao monopólio governamental do dinheiro.
Somente um banco central
aprovado pelo estado pode produzir dinheiro, e tal produção de dinheiro será
correspondentemente ruim. Em vez de termos ouro e prata, como
no passado, temos hoje nada mais do que pedaços de papal circulando o mundo
(dólares, euros, ienes etc.). Tal arranjo é ótimo para o
monopolista. Ele pode imprimir dinheiro de maneira efetivamente gratuita
e utilizá-lo para comprar bens como imóveis e carros. Uma varinha mágica
real. Quem não iria querer tal varinha?
No entanto, para todo o
resto da população, isso não é nada fantástico. Mais dinheiro de papel
não torna a sociedade mais rica. É tudo apenas somente papel. Cada
novo pedaço de papel impresso reduz o poder de compra de todos os outros pedaços
de papel que já existiam. E cada novo pedaço de papel gera umaredistribuição da
riqueza social. Os responsáveis pela impressão do dinheiro se enriquecem
e sua fatia confiscada de riqueza da sociedade aumenta. Eles agora
possuem casas e carros que antes não possuíam. E, igualmente, esta
impressão de dinheiro reduz a riqueza de todos os outros cidadãos, que agora
possuem correspondentemente menos casas e carros do que poderiam possuir.
Estou confiante de que o
cidadão comum alienado é capaz de entender que estas maquinações, que ocorrem
diariamente em uma escala inimaginável, nada mais são do que um gigantesco caso
de roubo e fraude em ampla escala.
Porém, a verdade é que
não ouvimos absolutamente nenhuma palavra de condenação, nenhuma exposição
desta fraude, na mídia. Aqueles pretensiosos, ininteligíveis, arrogantes
e auto-proclamados 'especialistas' econômicos e financeiros na televisão, no
rádio e em todas as outras mídias não falam absolutamente nada a
respeito. Isto tem dois motivos: ou eles estão sendo pagos para
intencionalmente esconder ou encobrir fatos que eles sabem ser imorais, ou eles
foram tão estupidificados durante seu período universitário, que eles se
tornaram realmente incapazes de reconhecer até mesmo os mais simples fatos e
relações de causa e consequência.
O que aconteceria se o
monopólio do governo sobre o dinheiro fosse abolido e todos nós estivéssemos
livres para fazer cópias perfeitas do papel-moeda estatal (da mesma maneira que
qualquer indivíduo pode hoje criar cópias perfeitas de maçãs, peras, grãos de
trigo, pregos, casas, computadores etc.)? Eis o que aconteceria: o
papel-moeda seria imediatamente produzido em quantidades tão grandes que o
valor (poder de compra) de uma cédula iria despencar, de um dia para o outro,
até o valor físico do papel em que os números foram impressos. Com tais
cédulas valendo apenas o papel no qual foram impressas, elas seriam impróprias
para ser utilizadas como um meio geral de pagamento. O dinheiro de papel
perderia sua função de dinheiro, e o estado perderia repentinamente sua varinha
mágica. (É exatamente por isso que o estado é tão ciumento e zeloso de
seu monopólio sobre a criação de dinheiro, sendo que o "crime" de
falsificação de dinheiro é um dos mais eficientemente combatidos pelo estado).
Mas isso não significa
que o dinheiro não mais existiria. Ao contrário: em um
ambiente concorrencial, um dinheiro de melhor qualidade seria
produzido. Por quê? Porque sempre haverá uma demanda por meios
de troca.
Por que as pessoas
carregam dinheiro consigo? Por que elas não investem absolutamente todos
os seus ativos em bens de capital e em bens de consumo? Por que elas
sempre mantêm uma fatia de seus ativos na forma de dinheiro (o qual não pode
ser consumido e nem utilizado em processos produtivos; pode
apenas ser portado como meio de troca, com o intuito de talvez ser trocado por
algo mais tarde)? Resposta: porque há incerteza em nosso
mundo. Porque coisas acontecem, o que faz com que surjam as necessidades
humanas. E nem reservas de bens de consumo ou de bens de capital,
tampouco apólices de seguro, podem nos deixar preparados para tais
necessidades, tampouco impedir que elas ocorram. A única maneira de se
estar preparado para tais imprevisíveis, porém continuamente recorrentes
surpresas, e as consequentes necessidades que elas acarretam, é acumulando uma
reserva de meios de troca. Uma reserva de bens que se distinguem de todos
os outros bens por sua excepcional liquidez e capacidade de ser imediatamente
aceito em trocas voluntárias. Bens que podem ser diretamente e
imediatamente trocados, a qualquer momento, pela mais vasta gama de bens de
consumo ou de capital. Em suma, bens que possuem uma excepcional
capacidade de serem comercializados em troca de qualquer coisa.
Do ponto de vista
histórico, estes bens sempre foram o ouro e a prata, pois estes metais eram os
que melhor cumpriam a função de meio de troca, a função de fornecer um
"seguro contra incertezas". Ouro e prata surgiram como os bens
que usufruíam a mais alta liquidez e capacidade de serem trocados por quaisquer
outros bens. Eles eram os bens mais facilmente vendáveis e mais
amplamente aceitos dentre todos. E assim, portanto, o dinheiro
historicamente sempre foi o ouro e a prata.
Se o monopólio estatal
sobre o dinheiro algum dia desaparecer, a maior probabilidade é que ouro e
prata recuperem suas antigas funções de dinheiro (e o papel iria simplesmente
voltar a ter neste sistema monetário a mesma função que sempre teve
historicamente: servir como certificados, como títulos de propriedade, sobre
ouro e prata).
- Senhor Hoppe, muito obrigado pela entrevista.
* Entrevista publicada no Instituto Mises Brasil
Hans-Hermann Hoppe é
um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente
da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of
Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe
University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos,
de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics
and Ethics of Private Property.
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